Hobsbawm: a Era das Incertezas
O historiador Eric Hobsbawm deu entrevista exclusiva à Revista Sem
Terra, e apresentou ao leitor sua avaliação as origens, efeitos e
desdobramentos da crise mundial. Desde que sua magnitude se fez sentir com seus
capítulos ambiental, climático, energético, alimentar e por fim, econômico,
acadêmicos, sociólogos, economistas, políticos e lideranças sociais procuram
entender e explicar suas causas, e analisar e prever suas consequências. Muitos
têm buscado respostas e soluções apenas no próprio universo econômico. Outros
concluíram que vivemos uma crise civilizatória, e que o capitalismo implodiu
por seus próprios desmandos. Mas ninguém parece ter respostas definitivas sobre
o que nos prepara o futuro. Assim também Hobsbawm, o maior historiador marxista
da atualidade.
Nesta entrevista, concedida por e-mail de Paris, Hobsbawm apresenta suas
opiniões como contribuição ao debate. De certezas, apenas a de que, se a
humanidade não mudar os rumos da sua convivência mútua e com o planeta, o
futuro nos preserva maus agouros. Cético e ao mesmo tempo esperançoso, não
acredita que uma nova ordem mundial surgirá das cinzas do pós-crise, mas acha
que ainda existem forças capazes de propor novas formas de organização e
cultura políticas e sociais, como o MST.
Revista Sem Terra - O planeta vive hoje uma crise que abalou as
estruturas do capitalismo mundial, atinge indiscriminadamente atores em nada
responsáveis pela sua eclosão, e que talvez seja um dos mais importantes
“feitos” da moderna globalização. Na sua avaliação, quais foram os fatores e
mecanismos que levaram a esta situação?
Eric Hobsbawm – Nos últimos quarenta anos, a globalização, viabilizados
pela extraordinária revolução nos transportes e, sobretudo, nas comunicações,
estiveramcombinados com a hegemonia de políticas de Estado neoliberais,
favorecendo um mercado global irrestrito para o capital em busca de lucros. No
setor financeiro, isto ocorreu de forma absoluta, o que explica porque a crise
do desenvolvimento capitalista ocorreu ali. Apesardo fato de que o capitalismo
sempre — e por natureza — opera por meio de uma sucessão de expansões geradoras
de crises, isto criou uma crise maior e potencialmente ameaçadora para o
sistema, comparável à Grande Depressão que se seguiu a 1929, mesmo que seja
cedo para avaliarmos todo o seu impacto. Um problema maior tem sido que a
tendência de declínio das margens de lucro, típico do
capitalismo, tem sido particularmente dramática porque os operadores
financeiros, acostumados a enormes ganhos com investimentos especulativos em
épocas de crescimento econômico, têm buscado mantê-los a níveis insustentáveis,
atirando-se em investimentos inseguros e de alto risco, a exemplo dos
financiamentos imobiliários suprime” nos EUA. Uma enorme dívida, pelo menos
quarenta vezes maior do que a sua base econômica atual foi assim criada, e o
destino disso era mesmo o colapso.
Revista Sem Terra - Como resposta à crise econômica governos e
instituições financeiras está concentrado em salvar os sistemas bancário e
financeiro, opção que tem sido considerada uma tentativa de cura do próprio
vetor causador do mal. No que deve resultar este movimento?
Eric Hobsbawm – Um sistema de crédito operante é essencial para qualquer
país desenvolvido, e a crise atual demonstra que isso não é possível se o
sistema bancário deixa de funcionar. Nesse sentido, as medidas nacionais para
restaurá-lo são necessárias. Mas o que é preciso também é uma reestruturação do
Estado, por exemplo, através das nacionalizações, a “desfinanceirização” do
sistema e a restauração de uma relação realista entre ativos e passivos
econômicos. Isso não pode ser feito simplesmente combinando vastos subsídios
para os bancos com uma regulação futura mais restrita. De toda forma, a
depressão econômica não pode ser resolvida apenas via restauração do crédito.
São essenciais medidas concretas para gerar emprego e renda para a população,
de quem depende, em última instância, a prosperidade da economia global.
Revista Sem Terra – O capitalismo tem adquirido, cada vez mais, uma
força hegemônica na agricultura com o crescimento do agronegócio. Muitos
defendem que a Reforma Agrária não cabe mais na agenda mundial. Como vê este
debate e a luta pela terra de movimentos sociais como o MST e a Via Campesina?
Eric Hobsbawm – A produção agrícola necessária para alimentar os seis
bilhões de seres humanos do planeta pode ser fornecida por uma pequena fração da
população mundial, se comparamos com o que era no passado. Isso levou tanto a
um declínio dramático das populações rurais desde 1950, quanto a uma vasta
migração do campo para as cidades. Também levou a um crescente domínio da agricultura
por parte não tanto do grande agronegócio, mas principalmente de
empreendimentos capitalistas que hoje controlam o mercado desta produção. Da
mesma forma, têm aumentado os conflitos entre agricultores e iniciativas
empresariais na disputa pela terra para propósitos não agrícolas (indústrias,
mineração, especulação imobiliária, transporte etc.), bem como pela sua posse e
pela exploração dos recursos naturais. A Reforma Agrária sem duvida não é mais
tão importante para a política como foi há 40 anos, pelo menosna América
Latina, mas claramente permanece uma questão central em muitos outros países. Em
minha opinião, a crise atual reforça a importância da luta de movimentos como o
MST, que é mais social do que econômica. Em tempos de vacas gordas é muito mais
fácil ganhar a vida na cidade. Em tempos de depressão, a terra, a propriedade
familiar e a comunidade garantem a segurança social e a solidariedade que o
capitalismo neoliberal de mercado tão claramente nega aos migrantes rurais
desempregados.
Revista Sem Terra - O senhor, que estudou com profundidade a história do
mundo e as relações humanas nos últimos séculos, o que espera do futuro?
Eric Hobsbawm – Se a crise ambiental global não for controlada, e o
crescimento populacional estabilizado, as perspectivas são sombrias. Mesmo se
os efeitos das mudanças climáticas possam ser estabilizados, produzirão enormes
problemas que já são sentidos, como a crescente competição por recursos
hídricos, a desertificação nas zonas tropicais e subtropicais, e a necessidade
de projetos caros de controle de inundações em regiões costeiras. Também
mudarão o equilíbrio internacional em favor do hemisfério Norte, que tem largas
extensões de terras árticas e subárticas passíveis de serem cultivadas e
industrializadas. Do ponto de vista econômico, o centro de gravidade do mundo
continuará a se mover do Oeste (América do Norte e Europa) para o Sul e o Leste
asiático, mas o acúmulo de riquezas ainda possibilitará às populações das
velhas regiões capitalistas um padrão de vida muito superior às dos emergentes
gigantes asiáticos. A atual crise econômica global vai terminar, mas tenho
dúvidas se terminará em termos sustentáveis para além de algumas décadas.
Politicamente, o mundo vive uma transição desde o fim da Guerra Fria. Tornou-se
mais instável e perigoso, especialmente na região entre Marrocos e Índia. Um
novo equilíbrio internacional entre as potências — os EUA, China, a União
Europeia, Índia e Brasil — Em resumo ocorrerá, o que poderá garantir um período
de relativa estabilidade econômica e política, mas isto não é para já. O que
não pode ser previsto é a natureza social e política dos regimes que emergirão
depois da crise. Aqui as experiências do passado não podem ser aplicadas. O
historiador pode falar apenas das circunstâncias herdadas do passado. Como diz
Karl Marx: a humanidade faz a sua própria história. Como a fará e com que
resultados, muitas vezes inesperados, são questões que ultrapassam o poder de
previsão do historiador.
Fonte:http://www.cebela.org.br/site/baCMS/files/407202ESP1%20Entrevista%20com%20Hobsbawm.pdf
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